Certa feita, em conversas pelos bastidores da ainda “a lenha” TV Record paulista, o sempre elegante jornalista Alberto Helena Junior lembrou de um assunto que o cidadão de cabelos irretocavelmente lisos e “feições de príncipe”, como rotulara a loiruda Hebe Camargo, lembrava de um assunto pertinente daqueles dias levantado pelo mesmo jovem: “preciso achar um nome novo pr’Os Bruxos“.
Ele mesmo se pegava pensando vez em quando, alternando seus pensamentos com passagens viciantes de um livro que estava devorando avidamente naqueles dias. Concebido por Stefan Wul em 1958, “O Império dos Mutantes” era um daqueles contos fantásticos de ficção científica que amarravam os jovens de mentes imaginativas no primeiro parágrafo, ainda mais em tempos de corrida espacial e o cosmos vez em quando em destaque na mídia daquele ido.
Este mesmo jovem ao qual Alberto Helena papeava e voltava com a missão da semana era um cidadão de Niterói que vivia intensamente o verdadeiro redemoinho que a vida tomara naqueles tempos. Caído de quatro num palco de “mingau” no Rio de Janeiro, versou sobre os Beatles com os amigos da banda da noite, igualmente cabeludos e chamou a atenção de um jovem diretor da Polydor (que, anos mais tarde, seria o pai de Cazuza), que o levou para testes em estúdio.
Dos testes, o sucesso brotou do nada nos pratos do AM 900 da Rádio Tamoio carioca, em um fim de tarde em Ipanema. Mas o sucesso virou pesadelo, sobretudo quando a família o acusava de “alienado” e “erro de rota”, jogando o nome deles na mais pura lama, segundo a visão conservadora deles. Assim, do abandono no Rio, partiu-se para a aventura em São Paulo, onde as vacas magras eram apartadas com sanduíches de mortadela e muita teimosa boa.
O talento do jovem aviador (sim, estamos falando também de um ás aéreo) foi premiado com os versos de um corpulento e astuto Carlos Imperial, que transformou a pracinha da sua cidade natal (Cachoeiro do Itapemirim, no ES), num dos versos mais famosos da ainda explosiva Jovem Guarda. No entanto, o sucesso incomodou os que cercavam o Rei e sua dinastia, e curiosamente a saída encontrada pela casa de Paulo Machado de Carvalho era colocar ambos no mesmo teto, sendo para o então príncipe a geladeira mais severa: “quem toca no salão do Rei, não toca no seu”.
Foi nessa ai que um trio de ditos menestréis liderados por uma distante descendente do mais famoso general da guerra civil americana entrou no caminho do aviador. Na sala do Rei, não permitiram o “abuso” de se tocar com amplificadores letras e canções tão revolucionárias que a brotolandia não fosse entender. Excluídos da lista real, encontraram guarida naquele pequeno cenáculo do príncipe, onde outros de igual pensamento fora da caixa faziam seu show, sua arte, sua revolução ainda incompreendida.
O problema da ruiva e de seus amigos nem era a criatividade para letras e melodias, o que transbordava a cada criação e trabalho, mas o bendito nome que os batizava. Sabe, essa coisa de “Os Bruxos” era cafona, simplista demais para o que faziam e pretendiam fazer. Nas conversas com o príncipe, surgiu o pedido simples da amiga ruiva: “pô, precisamos de um nome novo, e a gente não faz ideia do que!”.
E voltamos, assim, a aquela conversa de bastidor do começo desta crônica. Alberto Helena soltou a frase antes mesmo que o aviador pudesse entrar no assunto do livro que não saia do seu camarim e da mente. E como se removesse o “império” da mesma forma que o fora feito nos tumultos reais que o meteram, ele encontrou o nome perfeito, soavel mesmo como revolucionário: “Mutantes“.
A história contada acima pode parecer fantasiosa ou até confusa demais, mas negar a importância de Ronnie Von para o Rock nacional é um erro imperdoável para qualquer um que estude os meandros da nossa música. O príncipe não era peça que se encaixava no comum, como podemos chamar a Jovem Guarda e sua simplicidade comercial, e foi a partir dele e de tantos que passaram pelo “Pequeno Mundo” do seu programa na Record que, silenciosamente, nosso Rock tomava caminhos próprios.
E não só apenas com um certeiro novo nome para o que seria os Mutantes nos anos seguintes, o que fortaleceu uma amizade enorme com Rita Lee (que sempre lembrava de Ronnie com muito carinho e gratidão), mas Ronnie pensou ele fora da caixa, e mesmo incompreendido, peitou a simplista Polydor com três discos de pura psicodelia, reinvenção da roda e novidades sonoras no som brasileiro. Se a Tropicália não o teria (o que era o plano), ele faria sua própria revolução, e pode-se dizer que conseguiu mesmo a base de broncas.
E nesta quarta-feira (17/07), eis que o príncipe, retirado da musica mas sempre bem falado nas rodas de conversa musicais, chega as 80 primaveras. Parece muito para quem ainda está voando pleno no “brilhante pássaro de prata”, mas para quem tem espirito jovem, sempre vai ser tempo de contar histórias novas e antigas, sobretudo deste momento tão especial e, por que não, tão subestimado da música brasileira.
Você ouve Rita Lee? Mutantes? Conhece o Rock nacional com a cara que ele tem hoje? Agradeça ao tio Ronnie e sua avidez literária. Sem ela, talvez nunca saberíamos quem foram “Os Bruxos”.